domingo, 26 de outubro de 2014

Liderança e trabalho em equipe: um caso real



Liderança e trabalho em equipe: um caso real

    Era uma vez no Rio Jacuí, próximo a cidade de Santo Amaro do Sul/RS, uma operação militar em curso... Oficiais da Força de Operações Especiais (FOpEsp) do Comando Militar do Sul, em treinamento no Campo de Instrução de Butiá, encontravam-se divididos em patrulhas e foram lançados no Rio Jacuí, para tomar de assalto a eclusa que se localizava a jusante, próxima a cidade já declinada.
    Inicialmente, os botes de assalto com motores, os levaram rapidamente, no meio da madrugada, para as proximidades daquela localidade, aonde, por conta do barulho deviam-se utilizar os remos para alcançar determinados pontos do terreno e, após isso, prosseguir-se a pé para efetuar o cumprimento da missão, com objetivos definidos e cronometrados.
    Estava muito frio. Os dias que se passaram no Estágio da FOpEsp, onde várias instruções foram ministradas, os remeteram àquele momento especial, levando-os a praticá-las naquela madrugada.
    Dos instruendos, eu era o mais antigo. Capitão aperfeiçoado e mais velho em idade, que, durante o estágio, procurava, com bom humor, demonstrar disciplina e eficiência, dando o exemplo em todas as ocasiões que fossem necessárias. Sou um dos adeptos de Gabriela Mistral: “ a palavra convence, mas o exemplo arrasta”. Entretanto, por não ter os chamados “cursos de guerreiros” (Paraquedismo, Comandos, Guerra na Selva, Forças Especiais, etc), não recebi o comando de uma das patrulhas e nem dos grupos que a compunha. O motivo que os instrutores me apresentaram, no sentido de que, para se alcançar a perfeição na execução, eles assim procederiam e, com isto, solicitaram o meu concorde com a quebra de hierarquia. Nunca fui melindrado a ponto de impor a minha razão e, com boa vontade, não causei empecilho para que tais procedimentos acontecessem.
     Lá estávamos então, no meio da madrugada, no Rio Jacuí, com remos na mão e com a correnteza nos levando...
     Uma cartilha da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) que aborda e orienta o estudo sobre Liderança Militar, indica que tal “é a capacidade de influenciar o comportamento humano e conduzir pessoas ao cumprimento do dever”, acrescentando, ainda, que Líder Militar é o “Militar que possui os traços necessários para exercer a liderança militar”... E a correnteza estava nos levando...
      O comandante escalado da patrulha a qual estava incorporado, presente no bote o qual me encontrava, começou a demonstrar a sua experiência... Oficial paraquedista, comandos e guerreiro de selva, respeitado e temido por alguns que se encontravam a bordo, ex-instruendos seus... O bote mal conseguia sair do lugar, aonde, descoordenados, no máximo, conseguíamos ficar girando e sermos carregados pela correnteza... O vozerio da discussão e reclamações começou a ecoar no meio daquela madrugada sem luar.
      Algo estava errado... Éramos oficiais experientes, instrutores em nossos aquartelamentos, comandantes de Subunidades de Operações Especiais (SuOpEs) e de Pelotões de Operações Especiais (PelOpEs) e, no fundo e na real, parecíamos que tínhamos voltado aos tempos de cadete, nos Campos de Menbeca, no interior da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), onde discutíamos as imbecilidades daquele que era escalado para comandar... Indisciplina e falta de respeito, até, com a condição de oficiais que éramos... Tristeza e, ao mesmo tempo, a revolta começou a se instalar...
     Mais de 15 (quinze) minutos se passara e nós, naquele impasse, à deriva, ameaçados pela incompetência reinante, podíamos até causar um desastre de proporções terríveis. Algo necessitava ser feito. A contragosto, passando por cima daquilo que prometi aos instrutores do estágio, num grito audível por todos, assumi o comando da situação. Pedi ao comandante da patrulha um momento. Xinguei aquela malta e determinei que todos colocassem os remos na água e ficassem parados. No momento seguinte determinei que movimentassem para a retaguarda, sem fazer força, os remos que estavam na água, nas laterais do bote, e, assim, como num passe de mágica, a embarcação começou a se movimentar para frente... Comecei a cadenciar as remadas... Hop, hop, hop... Silêncio e movimento... Ordem... Percebendo que todos compreenderam o recado, passei imediatamente o comando para quem de direito e recolhi-me à posição que me foi designada.
      Alguns princípios de liderança transpareceram neste breve relato. Certamente o fato de que alguém tenha sido investido de autoridade, seja por meios legais, seja por ocasião, não é condição de que, aqueles que passarem ao comando deste, o obedecerão de imediato. Mesmo que o conhecimento de técnicas o torne respeitado, pelo alcance de suas conquistas, ainda assim não é o passaporte para a obediência. 
         Não basta conhecer a profissão, conhecer-se e procurar o auto-aperfeiçoamento. É necessário e fundamental ter “sentimento de” e exalar responsabilidade, assumindo, para o bem e para o mal, aquilo que vier a fazer; ter tirocínio, decidindo, se possível, com acerto e oportunidade, mas sempre decidindo; chamar aqueles que se encontram ao seu comando à responsabilidade, desenvolvendo este atributo neles, mesmo que eles não queiram ou gostem; assegurar a compreensão e cumprimento daquilo que foi ordenado aos subordinados, atribuindo, aos mesmos, missões de acordo com as suas capacidades, fiscalizando e cobrando os resultados; e, principalmente, dar o exemplo, pois este sempre arrasta, mesmo aqueles que não gostam e não querem, os quais, por serem a minoria, ficam sem a opção “do sou contra e não vou fazer”, no meio da maioria estimulada e unida... Esta não é uma receita fácil de ser executada, mas quem disse que a vida militar é construída com facilidades?!?

Nenhum comentário:

Postar um comentário